sexta-feira, janeiro 03, 2025

Livros sobre o futuro espacial

  Um exemplo característico de obras hiper-reais eram os livros ilustrados que simulavam o futuro da humanidade. Lançados na década de 1970, no rastro do sucesso de filmes de ficção científica, como Star Wars, eles criavam uma hiper-realidade em que o futuro se transformava em passado. Ou seja: fatos ficcionais, de uma época bem posterior à do leitor era apresentados como passado longínquo.

Dois exemplos merecem destaque: Naves espaciais – de 2000 a 2100, de Stewart Cowley e Seres do Espaço, também de Stewart, sob pseudônimo de Steven Caldwell (um suposto habitante do século XXIV).

O livro Naves Espaciais seria uma espécie de manual publicado pela sociedade do comércio da Terra. Uma nota explicativa no início do livro explica que a STC foi fundada em 1999 (vale lembrar que o livro foi publicado em 1978) com o nome de Sociedade do Comércio Mundial, uma subsidiária do Conselho Mundial, ficando encarregada de todo o comércio global. Com o início da exploração espacial, ela mudou de nome e ampliou suas funções para outros planetas. O livro seria uma espécie de guia para pessoas que pretendem ingressar nesse comércio, indicando não só dados técnicos, mas históricos.
A maior parte da contextualização histórica é dada na introdução, na qual é explicado que no ano de 2036 uma nave de reconhecimento estabeleceu contato com os habitantes de Alpha Centauri e o encontro resultou num esforço de cooperação mútua. Em 2047 outra nave de reconhecimento foi atacada pelos habitantes de Proxima Centauri, iniciando uma guerra estelar de vinte anos durante os quais Alpha Centauri, Terra e Proxima Centauri dedicaram-se à produção de uma ampla variedade de naves militares.
Os fatos, como se percebe, são narrados no passado e, embora o ano de 2036 fosse um futuro longínquo em 1978, o livro narra o passado, envolvendo o leitor em um simulacro hiper-real.
Essa hiper-realidade é destacada pelas ilustrações hiper-realísticas e os detalhes técnicos extremamente específicos do texto. Assim, sabemos, por exemplo, que a CAM 117 Gunship era uma nave extremamente rápida, mas essa rapidez se fazia à custa do raio de ação.
Esse acúmulo de detalhes técnicos e históricos criam essa impressão de hiper-realidade, fazendo com que o leitor acredite que encontrou um livro que, de alguma forma, veio do futuro para narrar fatos que ainda irão acontecer (foi essa a impressão que tive ao lê-lo pela primeira vez, na pré-adolescência).

Cowley ampliou essa experiência ao correlacionar outros livros ao mesmo universo, criando uma mitologia coerente. Exemplo disso é o livro Seres do Espaço, de Steven Caldwell.
Na quarta capa do volume descobrimos que o autor integrou a Força de Segurança da Federação Galática em 2393, logo assumindo o posto de comandante militar do grupo 1 e, ao longo de quinze anos de carreira, viajou pelos mais variados lugares da Federação, o que lhe dá credibilidade para escrever sobre as várias raças que a compõe. Caldwell, claro, não é uma pessoa real. Na verdade, Caldwell é um simulacro criado por Cowley para tornar Seres do espaço ainda mais verossimilhantes.
No livro somos informados, por exemplo, que habitantes de Alpha Centauri (aqueles mesmos que haviam se deparado com uma nave de exploração terrana em 2036) são fisicamente semelhantes aos humanos, embora sejam mais esbeltos, tendo, no entanto, um período de gestação mais lento, o que diminuiu drasticamente o crescimento populacional, em especial após as Guerras Centaurianas.
Tais livros estimulavam a curiosidade e a imaginação e nos fazia pensar como de fato seria o futuro.

Fundo do baú - A família Ursa

 


 


Família Ursa (The Beary Family, no original) foi um desenho animado desenvolvido pela Walter Lantz, a mesa produtora do Pica-Pau. A família era composta pelo pai Ursulão, pela esposa, Úrsula, pelo filho Ursulino e pela filha Ursulina. Posteriormente a filha desapareceria das animações.

A trama geralmente começava com a matriarca percebendo que a casa precisava de algum serviço e tentando contratar profissionais especializados. E, invariavelmente, Ursulão decidia que ia ele mesmo fazer o serviço como forma de economizar dinheiro (ao que a esposa respondia batendo na testa e dizendo “Lá vamos nós de novo!”) . Mas tanto ele quanto o filho eram extremamente desastrados e o que era para ser economia virava prejuízo. Os episódios eram geralmente compostos de uma série de gags das trapalhadas da dupla.

Em um dos episódios, por exemplo, a esposa decide comprar um ar-condicionado, mas ursulão decide economizar o dinheiro da entrega e da instalação. No caminho da loja para casa o ar condicionado cai das mais variadas maneiras – na maioria das vezes machucando o próprio Ursulão. Depois, durante a instalação, ele e o filho provocam um grande buraco no chão, na parede e no teto.

Em outro episódio, Úrsula decide colocar um portão automático na garagem. Para economizar dinheiro, Ursulão decide criar ele mesmo um mecanismo. No final, eles acabam perdendo o portão e são obrigados a pagar não só pela instalação do sistema automático como por um portão novo.

O desenho tinha duração de 7 minutos e foi produzido de 1962 a 1972, num total de 28 episódios.

Livro discute os vários aspectos da cultura pop

 


 

Cultura pop, comunicação e linguagem é uma antologia organizada por Ivan Carlo Andrade de Oliveira (Gian Danton) e Rafael Senra. Divididos em artigos e ensaios, os textos abordam os mais diversos temas dentro do leque da cultura pop.

No âmbito dos quadrinhos, começamos com uma análise da adaptação da história de Conan "A torre do elefante", passando pelo conceito de Gynoid no mangá "Hyper future vision", e até uma interpretação da jornada do herói a partir da saga "Estação das brumas" em Sandman. No campo da música, temos uma abordagem semiótica da capa do álbum "Artpop" da cantora Lady Gaga, e, na interface entre literatura e outras mídias, uma análise de adaptações da obra "The Witcher".

Para completar o livro, os ensaios tratam de representações da Grande Depressão em dois quadrinhos, além das obras de Chris Ware e, para concluir, uma reflexão sobre o papel de Jim Shooter no comando da editora Marvel Comics. 

Para baixar, clique aqui

Vidro

 

M. Night Shyamalan é o diretor de Hollywood que melhor entendeu os quadrinhos. Prova disso é seu novo filme, Vidro, que fecha a trilogia iniciada em Corpo Fechado.
A película é, essencialmente, uma grande homenagem aos quadrinhos.
Tudo é pensado como homenagem e referência. Além das referências óbvias, que são expressas em diálogos entre os personagens, há os nomes de personagens, como Crumb (Robert Crumb foi o papa do quadrinho underground). Mas há mais: a vilã, por exemplo, é uma psicóloga que acredita que os super-heróis são um gênero nocivo (os mais ligados vão se lembrar do psicólogo Fredrick Werthan, que na década de 1950 realizou uma verdadeira cruzada contra os gibis).
Neste filme vemos finalmente o confronto do Senhor Vidro, a Horda e o Vigilante. Mas não espere um filme pipoca. O foco é muito menos nas brigas e muito mais no desenvolvimento dos personagens, na exploração de suas personalidades. Nós descobrimos, por exemplo, porque o vigilante, embora seja invulnerável, pode ser morto com a água. A genialidade de Vidro é muito melhor explorada e exemplificada. Ele é mostrado aqui como alguém frágil apenas fisicamente, mas cujos dotes intelectuais são espantosos, como um grande jogador de xadrez, que antecipa todas as jogadas de seus adversários.
A direção também remete diretamente aos quadrinhos. Shyamalan na maioria das vezes não mostra as ações, mas o resultado delas, como nas elipses quadrinísticas.
O roteiro encaixa os três filmes como um quebra-cabeças muito bem elaborado. E o plot twist final é digno do diretor de Sexto Sentido.
Não vá esperando um filme dos Vingadores. Mas se você gosta de quadrinhos e gosta de filmes inteligentes, Vidro é uma ótima pedida. 

Os fãs de Rorschach

 


Um fenômeno que temos visto atualmente são pessoas com visões completamente distorcidas sobre obras famosas.

Os mais famosos desses são aqueles que leram Watchmen e concluíram que Rorschach era um herói ali. O próprio Alan Moore se espantou ao descobrir que havia fãs de Rorschach, um cara misógino, com sérios problemas mentais, que não toma banho e vive como mendigo.

Mas há muitos outros casos.

Há, por exemplo, aqueles que leram V de Vingança e entenderam que a mensagem era idolatrar e seguir cegamente políticos (nós vimos alguns desses invandindo o congresso americano para defender seu ídolo Trump).

Há outros que leram Cosmos, de Carl Sagan e concluíram que a terra é plana. Outros leram O macaco nu, de Desmond Morris e concluíram que vacinas matam.

Essa é uma geração (independente de idade) de pessoas doutrinadas e lobotizadas por por mensagens de zap zap e vídeos de teorias da conspiração. Tais canais criaram em larga escala o efeito Dunning-Kruger, em que a pessoa incompetente é incapaz de perceber a sua própria ignorância. Por mais que lhes seja ensinado algo, elas não aprendem nada justamente por acreditarem que já sabem tudo. O mesmo acontece quando elas lêm um quadrinho ou um livro. Elas são incapazes de apreender a mensagem – e, caso o próprio autor venha a contradizê-las, é comum dizerem que o autor não etendeu a própria obra, como aconteceu recentemente com Neil Gaiman.

Ministério do espaço

 



A série Ministério do espaço surgiu no verão de 1999, quando o escritor Warren Ellis resolveu desencaixotar velhos livros para guardá-los no sótão da nova casa. Entre eles, achou um álbum em capa dura que havia ganhado de presente de natal do pai quando era criança: “Dan Dare – O homem de lugar nenhum”. Dan dare é um personagem clássico de ficção científica inglesa, um dos personagens mais populares dos quadrinhos britânicos da década de 1950.

Lendo aqueles quadrinhos, Warren se perguntou: Por que a Inglaterra, o império no qual o sol nunca se punha, não havia tomado a dianteira da corrida espacial? O seria necessário acontecer para que a Inglaterra se tornasse a grande potência espacial?

A junção entre o moderno e o vintage é o grande charme da história. 


Foi a partir dessa indagação que surgiu Ministério do Espaço. A história começa no ano de 2001, quando John Dashwood descobre que os americanos vão lançar um foguete para a Lua, desafiando a supremacia dos ingleses no espaço.

Essa pequena sequência nos mostra um mundo muito diferente do que conhecemos em 2001.  Vemos um avião que parece ser capaz de planar no espaço e pousar na vertical, pessoas que voam com foguetes nas costas, garotos que voam com hélices como helicópteros. A Inglaterra do quadrinho parece toda voltada para o céu.

A história parte de uma pergunta: O que aconteceria se a Inglaterra fosse pioneira das viagens espaciais? 


A trama então volta a 1945 e mostra como os ingleses conseguiram se apropriar dos cientistas nazistas e destruir todo o registro dos foguetes alemães.


A história segue assim, de maneira totalmente não-linear, alternando entre vários momentos da história da inglaterrra espacial. Não é apenas uma opção estética. O recurso é usado principalmente como elemento de suspense, deixando o leitor curioso para saber como a Inglaterra chegou a tal posto e, principalmente, de onde foi tirado o dinheiro para tal aventura espacial.

O detalhismo da arte de Weston impressiona. 


O roteiro de Warren Ellis é engenhoso, mas quem rouba a cena é o desenhista Chris Weston. Ele se sai bem desenhando pessoas, mas é quando mostra equipamentos, naves espaciais que realmente brilha. Suas naves são uma mistura de alta tecnologia com vintage, numa antecipação realmente interessante do que seria um mundo espacial britânico.

Essa minissérie em três partes foi publicada originalmente pela Image Comics e aqui reunida em álbum com capa dura da Devir. Para quem gosta de uma boa ficção científica, é uma ótima pedida, que passou praticamente despercebida pelos fãs de quadrinhos.

Camelot 3000 - Ataque à Nova Camelot

 

Uma das características da série Camelot 3000 era o seu caráter de crítica social e política. Isso, que já tinha sido apenas insinuado nos números anteriores, torna-se explícito no número quatro. 

A história começa com Jordan Matthew, diretor de segurança da ONU, reunindo com os principais líderes do planeta. Todos são mostrados de forma caricata e negativa. 

Os políticos são mostrados de forma caricata. 


Presidente Marks, governante dos EUA, é um cowboy careca que fuma charutos e anda armado. “Eu realizarei a vontade dos patrícios... que coincidentemente é também a minha”, diz o premiê russo. “Ninguém do meu povo deseja Rakma fora! Todos amam Rakma! E que não ama Rakma, eu mato”, explica o governante africano.

O grupo percebe que Arthur é uma ameaça a seu poder e decide ordenar um ataque a Camelot e para liderar o ataque é escolhido o sargento Mccalister, o homem com quem Tristão iria se casar antes de descobrir seu passado. Ele, portanto, tem motivos pessoais para querer se vingar.

A nova távola redonda tem um visual futurista. 


A situação permite que o leitor possa ver finalmente o grupo em ação. Brian Bolland constrói imagens impressionantes, como a primeira cena do grupo, correndo na direção do leitor, ou a de Arthur usando sua espada Excalibur para cortar a asa de um jato.

Toda a sequência é impressionante. Quando os soldados da ONU são mortos descobre-se que na verdade eles são alienígenas, o que lança uma luz sobre o que realmente está acontecendo: a invasão está sendo efetuada por Morgana com apoio do secretário de segurança da ONU.

Uma das cenas de maior impacto da série. 


Mike W. Barr vai, assim, lançando ganchos e costurado a história com grande eficiência.

quinta-feira, janeiro 02, 2025

Jornada nas estrelas - Os anos mortais

 


Eu acredito que a melhor ficção científica prescinde de grandes orçamentos e efeitos especiais. Exemplo disso é o episódio os “Anos mortais” da segunda temporada de jornada nas estrelas.

Na trama, um grupo de tripulantes desce em planeta para um visita de rotina. Mas o que encontram é aterrador: todos os habitantes do local morreram ou estão morrendo de velhice. Um casal de sobreviventes tinha menos de 20 anos, mas aparentam mais de 90. Ao voltarem para a Enterprise, a doença degenerativa começa a acometer os tripulantes, entre ele o trio Kirk, Spock e McCoy. Para piorar ainda mais a situação, um comodoro, que está sendo transportado para uma estação espacial, assume o comando, alegando que Kirk não tem condições de comandar a nave, o que coloca a Enterprise na rota de naves romulanas.

É um episódio praticamente sem cenários externos e cujo único efeito é a maquiagem nós atores. Mesmo assim, tudo funciona a começar pelo conceito, que aborda um perigo real da exploração espacial. Se na própria terra já são muitas as doenças que surgem ou ressurgem, imagem no espaço.

Além disso,o dilema moral da tripulação, tendo que depor em uma audiência que todos sabem que terminará com o capitão deposto de seu cargo - e todos tentando, sem sucesso, evitar o inevitável. Leonard Linoy leva esse dilema ao seu extremo, pois atua como promotor.

Em sua canastrice inspirada, Kirk consegue repassar a luta do capitão contra a degeneração mental e vai ao outro extremo quando finalmente consegue salvar a nave.

O incrível Hulk contra o mestre dos metais

 


Pense num desenhista do incrível Hulk. Dificilmente você terá pensado em Steve Ditko. No entanto, ele foi um dos primeiros artistas do personagem, tendo ilustrado o número 6 da primeira versão da revista.

Na trama, escrita por Stan Lee,a terra é invadida por um alienígena chamado Mestre dos Metais, que, como o próprio nome diz, é capaz de controlar metais. Ele quer usar essa capacidade para dominar o mundo e, aparentemente, o único que pode derrota-lo é o Hulk, uma vez que todos os misseis e demais armas usados contra ele são derretidos ou transformados.

O Hulk inventa uma arma para combater o alienígena. 


A solução, encontrada por Bruce Banner, é tão simples e óbvia que parece difícil acreditar que nenhum dos militares tenha pensado nisso – ou talvez fosse uma crítica velada aos militares e sua falta e inteligência, quem sabe.

Uma curiosidade é que nessa fase do personagem, a transformação se dava através de uma máquina de emissão de raios gama e o Hulk continuava inteligente. “Que bom que você se lembra de quase todo o conhecimento científico do Banner, Hulk”, diz Rick Jones à certa altura. Há uma sequência em que o Hulk fica enfurecido... e se transforma em Bruce Banner! Decididamente não era o Hulk que conhecemos.  

O Hulk se transformava através de uma máquina...


Mas Stan Lee deve ter percebido que a transformação via máquina tirava boa parte do charme do personagem e deu um jeito de se livrar dela. Assim, em determinado trecho Banner se transforma em Hulk, mas sua cabeça continua normal, em outro ponto ele tenta voltar a ser Bruce Banner usando a máquina e não consegue.

... mas a transformação nem sempre dava certo. 


O que eram incoerências de uma época em que os autores ainda estavam tentando definir o personagem depois é aproveitado por ótimos roteiristas que pegariam o personagem, a exemplo de Peter David e Paul Jenkins, que mostraram Bruce Banner como sendo alguém com múltipla-personalidade.  

Os 100 maiores cientistas

 


Quais são os cientistas mais importantes de todos os tempos? É a essa pergunta que John Simmons pretende responder no volume Os 100 Maiores Cientistas da História, lançado recentemente pela editora Difel.
É uma tarefa ingrata, pois, por melhor que seja a seleção, sempre faltarão nomes importantes. Entretanto, o resultado é muito positivo, pois nos dá um volume com a biografia de 100 pessoas que contribuíram para o crescimento dessa forma de pensar e ver o mundo chamada ciência.
Simmons sabe do que fala. Há mais de quinze anos ele escreve para a revista Current Biography, para a qual produz textos sobre os ganhadores do prêmio Nobel em ciência. Foi escritor e produtor da série Mind, um program de TV Educativo.
O livro, apesar do tamanho (mais de 500 páginas), é uma leitura rápida e agradável, pois é possível ler os capítulos com as biografias separadamente, sem seguir qualquer ordem. O livro é, assim, perfeito, para quem gosta de ciência e quer conhecer um pouco melhor a vida dos grandes cientistas.
E o leitor médio vai acabar se surpreendendo com fatos curiosos sobre as vidas dos cientistas. Ele saberá, por exemplo, que Newton, ao morrer, deixou mais de um milhão de palavras sobre misticismo e alquimia e que, em 1952, Einstein recusou a oferta de se tornar presidente de Israel.
O leitor médio também conhecerá figuras pouco exploradas pela mídia, mas que tiveram grande importância para o avanço da ciência. Entre eles, Lucrécio, um filósofo epicurista, anterior a Cristo, que lançou as bases da teoria atômica. Saberá, por exemplo, que Lucrécio tinha seis princípios básicos, entre os quais:
1 - O mundo é composto de átomos, que estão em constante movimento;
2 - Os objetos, que podem ser vistos e tocados, são feitos de diferentes tipos de átomos;
3 - A mente nasce e deverá morrer; não existe vida após a morte; a imaginação do inferno é uma projeção do sofrimento passado na Terra;
4 - A superstição é derivada da ignorância.
Para os que têm uma noção um pouco mais aprofundada da ciência, o divertido é descobrir as omissões. E são muitas, a maioria inexplicáveis. Por exemplo: Freud está na lista (é o sexto), mas Jung não.
É possível defender o autor se acreditarmos que a ênfase é sobre cientistas das áreas de exatas e naturais, mas mesmo assim ainda é possível encontrar omissões incompreensíveis. Um exemplo gritante é John von Newman. Ele é creditado como autor cibernético, criador da teoria dos jogos e inventor do computador. Ora, na cibernética temos um autor mais importante que ele, Norbert Wiener. Quanto aos computadores, é inexplicável a ausência de Alan Turing na lista. Sobre a teoria dos jogos, John Nash, ganhador do prêmio Nobel de economia (e inspiração para o filme Uma Mente Brilhante) também é uma ausência inexplicável.
No campo da lingüística, Noam Chomski aparece, mas a lista omite Ferdinand de Saussure e, principalmente, Charles Pierce. Ambos foram criadores da semiótica e tiveram uma influência muito mais duradoura.
Nenhum dos cientistas da chamada Teoria do Caos entra na lista, o que é mais do que uma injustiça. A Teoria do Caos é um novo paradigma, que está mudando completamente a maneira como vemos o mundo e tem tido influência em campos tão distintos quanto a medicina e a economia. Minha aposta para a lista, para representar os teóricos do caos, seria o matemático polonês Benoit Mandelbrot, o criador da geometria fractal.
Além do interesse óbvio de conhecer um pouco mais sobre as mentes que fizeram nossa civilização, há um outro, descobrir padrões na história de todos eles. O próprio autor nos dá algumas pistas na introdução, ao dizer que, "Com alguma exceções - Michael Faraday, a mais conhecida - nenhum deles nasceu num ambiente de pobreza. Na verdade, vieram de origens abastadas ou lares de bom nível, em que a busca de valores intelectuais era altamente apreciada. A maioria, em Os 100 Maiores Cientistas da História, era prezada e encorajada por seus pais e, ainda criança, teve inúmeros passatempos, como colecionar isentos, observar pássaros, aprender álgebra ou cálculo e construir".
Ou seja, a grande lição do livro é que, mesmo a melhor mente não se desenvolve se não tiver estímulo tanto material quando intelectual. Não é de admirar, portanto, que os maiores gênios surjam em países ricos. E que o Brasil não tenha um único representante na lista. Quantas e quantas crianças poderiam ser grandes gênios da ciência, mas se perdem em meio à pobreza, más condições de vida, fome e falta de qualquer estímulo intelectual. Se esse quadro, tão comum no Brasil, não for mudado em breve, talvez em pouco tempo não entremos nem mesmo na lista dos 1000 maiores cientistas.

Thor – Ragnarok

 



A dupla Jack Kirby – Stan Lee foi responsável por criar a maior parte da mitologia Marvel. Todo o trabalho da dupla é digno de nota, mas foi em Thor que a habilidade de Kirby para criar mundos e conceitos e a habilidade de Stan Lee para o dramático e épico encontraramseu ponto mais alto. E, de todo o trabalho da dupla no personagem, a saga de Ragnarok é o pico absoluto.
Na história, Mangog, um mostro que encarna milhões de seres que em tempos antigos tentaram invadir asgard e foram detidos por Odin. Agora o mostro foi libertado e quer vigança. Para isso, ele pretende tirar a espada de Odin da bainha, provocando o Ragnarok, o fim dos tempos. Para piorar, Odin está dormindo o sono do qual não pode despertar, de modo que resta a Thor e seus amigos tentarem impedir a ameaça que pode destruir todo o universo.
Essa saga se estendeu dos números 153 a 157 da revista The Mighty Thor, reunidas no volume XIII da coleção e graphics clássicas da Salvat.
Mangog é o grande vilão da história. 


A história começa com o fim de uma saga anterior. Thor lança o troll Ulik no abismo das sombras e, ao se agarrar em uma saliência, ele descobre o local onde Mangog está preso e o liberta.
Isso era resultado da maneira como a dupla Lee-Kirby construía a trama de Thor: como uma grande saga, em que tudo se interligava. Assim, o final de uma trama ensejava o início de outra.
Há um intervalo em que Thor e Loki lutam na Terra (com Thor se transformando em Donald Blake, recurso muito usado na época para aumentar o suspense) e a deusa Sif sendo ferida mortalmente.
Mas é quando Mangog avança na direção de Asgard que a trama, que já estava eletrizante, esquenta de vez. O ritmo narrativo é alucinante como uma ópera que vai num crescendo até o final apoteótico. O desenho de Kirby vai se tornando mais grandioso a cada quadro e o texto de Lee marca o tom épico. “Então o momento é este!”, diz Thor, à medida em que o monstro se aproxima para retirar a espada e provocar o Ragnarok. “É aqui que lutamos! Aqui resistimos! E, se o destino assim decretar... é aqui que todos pereceremos!”.

Lembrança: O erotismo poético de Nelson Padrella

 


Quando comecei a escrever quadrinhos eróticos, ali pelo ano de 1992, eu não queria repetir os chavões de histórias desse tipo, que geralmente se limitavam a monossílabos, interjeições, onomatopeias e palavrões.

Então, minha grande inspiração foi o grande escritor curitibano Nelson Padrella, em especial uma história chamada “Lembrança”. Padrella era um dos principais roteiristas da editora Grafipar e nessa história em específico conseguiu com perfeição o tom poético que eu queria para meu texto.

Há uma curiosidade sobre essa história. Ao assinar a história, o desenhista Rodval Matias colocou o ano de 1986. Acontece que a Grafipar terminou em 1983. Nem o próprio Padrella consegiu explicar essa incoerência. É possível que o desenhista tivesse recebido esse roteiro na época da Grafipar, mas só o desenhou três anos depois do fim da editora. De fato, eu li essa história numa revista da Nova Sampa.

A HQ fala de um encontro de dois adolescentes num dia de chuva.

O rapaz está passando, todo molhado pelo portão de uma casa, quando a moça o chama. O tom é não só poético, mas saudosista, como se alguém mais velho estivesse se recordando de um passado longíncuo e idílico: 

“Chove muito... e a chuva é a mesma daquele dia... era setembro ou outubro, não recordo direito. Ainda o frio do inverno pairava nas tardes e nos jardins de Curitiba. eu encontrei você no portão de sua casa, disse “olá”, com displicência, assim como quem vai embora... você sorriu!”. 

O clima é de saudosismo expresso pela expressão "é a mesma chuva daquele dia". O poético, que já aparecia desde o início, fica explícito no trecho "Ainda o frio pairava nas tardes e nos jardins de Curitiba". O roteirista-poeta brinca com as palaras: o frio se refere ao tempo (tardes), mas também ao local (jardins de Curitiba). 

A distribuição do texto, com apenas a expressão "Você sorriu" no último quadro, transforma essa página numa verdadeira poesia visual ao mesmo tempo em que transmite a solidão e tristeza do personagem, que olha saudoso para o portão aberto da casa vazia. 



A página seguinte mostra a mesma imagem, mas de outro ponto de vista, e agora vemos uma garota no portão convidando com as mãos o rapaz a entrar. 

O texto diz:  

“Era setembro ou outubro, não me lembro bem. Só lembro que depois de tanto tempo passei pelo portão da sua casa e você estava lá... e sem dizer palavras convidou-me com um gesto meigo. Não resisti e disse sim com os olhos. Saímos da chuva para dentro da sua casa que rescendia a aromas raros... cheiro de cravo e açúcares, algo de baunilha e infância...”.
  

O texto aqui é sutil e cheio de insinuações. Ela faz um “gesto meigo” e ele “diz sim com os olhos”. Os aromas da casa remetem ao café que ela está preparando, mas também são simbólicos: o cravo insinua sexualidade e afrodisíaco (vale lembrar que um pouco antes fizera sucesso uma novela chamada Gabriela cravo e canela, que se destacava exatamente pela protagonista sensual interpretada por Sônia Braga). A baunilha, como o próprio texto diz, representa infância, ingenuidade, dando a entender que essa teria sido a primeira relação sexual do garoto.

Padrella brinca novamente com as palavras, fazendo algo que se parece com a sinestesia, em que os sentidos se misturam, mas aqui ele mistura sentidos com idade. 



Na terceira página vemos novamente um texto que surpreende o leitor e remete ao poético: 

“Meus olhos procuravam os teus com frequência. Mas foram nossas bocas que se encontraram primeiro”. 

Uma outra curiosidade sobre essa história: na época em que foi desenhada o mercado já pedia histórias explícitas, de forma que o desenho de Rodval mostra explicitamente toda a relação sexual, em absoluto contraste com o texto intimista de Padrella. Mas mesmo assim, Rodval acerta ao fazer os dois protagonistas com um ar de adolescentes, mantendo, visualmente, a ingenuidade e saudosismo da trama.

Enfim, uma história curta, mas uma verdadeira obra-prima dos quadrinhos nacionais. 

Para ler a história completa, clique aqui

Conta comigo

 


Embora Stephen King seja conhecido como um escritor de terror, algumas das melhores adaptações cinematográficas de sua obra são de histórias que foge do gênero. Um exemplo disso é Conta comigo (Stand by me).

Lançado em 1986 e dirigido por Rob Reiner, o filme é baseado em uma novela de King, O corpo, publicada no livro As quatro estações.

Na trama, quatro garotos de 12 anos descobrem o paradeiro do cadáver de um garoto que foi atropelado pelo trem e decidem empreender uma jornada até o local. São dois dias de caminhada nos quais encontram os mais diversos perigos, de um cachorro em um ferro velho a sanguessugas. A história é contada por um dos garotos, já adulto, e por isso é carregada de nostalgia.

Embora haja muitos perigos, vistos em perspectiva, há uma única situação em que eles correm um risco real: na cena da ponte, gravada com maestria tão grande que nos encolhemos na poltrona torcendo pelos garotos. Nas outras, o que percebemos é que a imaginação tornou os perigos maiores do que de fato eles eram.

O interessante aqui, no entanto, não são os perigos externos, mas a jornada interna dos personagens. Há o protagonista que perdeu o irmão e sente que não é amado pelos pais, há o amigo vindo de uma família de ladrões que todos julgam ser também um ladrão, há um garoto cujo pai foi internado num hospício e quase queimou sua orelha, mas mesmo assim o idolatra. São personagens surpreendentemente complexos enfrentando os desafios do fim da infância e o do início da adolescência. E o que os ajuda nesse processo são as amizades. “Eu nunca tive amigos como aqueles dos meus doze anos, mas quem os teve?”, pergunta o narrador, sintetizando todo o tema do filme.

Conta comigo se tornou o paradigma das histórias sobre amizade, influenciando dezenas de outras produções. Posso citar pelo menos duas de cabeça: a série Anos incríveis e o álbum Turma da Mônica Laços.

Não por acaso, o filme fez muito sucesso. Custou oito milhões de dólares (uma ninharia) e arrecadou, só nos cinemas, 53 milhões. Todo mundo que já teve amigos no final da infância e início da adolescência se identifica em maior ou menor grau com a jornada enfrentada pelos personagens. Dizem que Stephen King teria chorado ao assistir ao filme pela primeira vez. Quem não choraria?

Atualmente Conta comigo está disponível na Netflix.

quarta-feira, janeiro 01, 2025

Quadrinhos hiper-reais na revista Nós

 


A revista Nós, da Universidade Estadual de Goiás, dedicou um de seus números mais recentes aos quadrinhos. Entre vários artigos de alguns dos principais pesquisadores de quadrinhos do Brasil, um texto meu sobre a hiper-realidade e simulacro nos quadrinhos do Capitão Gralha.
Para acessar a revista, clique aqui.

Coraline, de Neil Gaiman

 


Em 1987, quando era um postulante a roteirista de quadrinhos, Neil Gaiman começou a escrever uma história infantil para sua filha mais nova. Holly gostava de histórias assustadoras, com bruxas e meninas corajosas.Gaiman começou pelo nome da personagem: Caroline, e escreveu errado, Coraline, mas percebeu que que era um nome melhor que aquele que havia pensado. Sua personagem se chamava Coraline!  

Pouco depois, Gaiman se tornou escritor de Sandman, envolveu-se em vários projetos e a história foi deixada de lado. Em 1992 ele voltou ao texto e produziu um livro único. Uma mistura de conto de fadas com história de horror narrado com a suavidade e a poesia que caracterizam o escritor britânico. Em 2009 o livro foi adaptado para o cinema numa animação em stop motion dirigida por dirigido por Henry Selick.

É esse livro que a editora Intríseca trouxe para o público brasileiro em 2020 numa edição belíssima, que encanta desde a capa, obra de Chris Riddell (também autor das ilustrações internas). A edição é em capa dura, com a lombada lilás, fita lilás para marcar as páginas e aberturas de capítulos em lilás. É o tipo de edição que chama atenção por si só, independente do conteúdo.

Quanto ao conteúdo? O conteúdo é incrível.

A trama é sobre uma menina que acaba descobrindo uma passagem para outra dimensão onde encontra uma outra mãe e um outro pai. São iguais aos pais verdadeiros, exceto por um detalhe: botões costurados no lugar dos olhos. O objetivo da outra mãe é convencer Coraline a ficar naquele outro mundo. Quando a menina volta, descobre que seus pais sumiram. Agora ela tem que retornar e tentar resgatar seus pais e fugir das garras da outra mãe.

Como dito, é uma história de terror, mas contada com uma sensibilidade que só se poderia esperar do autor de Sandman e Orquídea Negra.

À certa altura, por exemplo, é narrada a decapitação de um rato. O texto diz:

“Abriu os olhos e viu o rato. Ele estava deitado no caminhozinho de tijolos no pé da sacada e parecia surpreso. Sua cabeça, por sinal, encontrava-se caída a uma distância considerável do restante do corpo. O bigode estava retesado, os olhos esbugalhados, e os dentes amarelados e afiados à mostra. Um colar de sangue cintilava em seu pescoço”.

Coraline é um livro para crianças, para jovens, adultos, para quem gosta de histórias de terror ou contos de fadas. É um livro para quem gosta de ler.