Terry Pratchett é famoso pelos livros da série
Discword, de humor escrachado e sátira das histórias de fantasia. Embora se
passe no mundo de Discword, Os pequenos livres, lançado em 2010 pela Conrad, é
um livro diferente, aproximando-se muito mais de uma jornada da heroína.
A trama é focada em Tiffany Dolorida, uma
garota simples que trabalhava fazendo queijos, mas vê sua rotina ser
transformada quando o irmão mais novo é roubado pela Rainha do Reino das Fadas.
Ela precisará descobrir seu dom para bruxa, entrar no reino das fadas e salvar
seu irmão. Para isso, ela conta com a ajuda dos Nac Mac Feegle, os pequenos
homens livres, criaturinhas pequenas e azuis que adoram uma briga.
Apesar de ser uma história mais convencional,
considerando-se os outros livros de Discworld, é possível perceber um caráter
subversivo já nesse resumo. Aqui as bruxas são as heroínas e a Rainha das Fadas
uma vilã. Pratchett, aliás, não poupa críticas aos contos de fadas e sua visão
eurocêntrica. Tiffany tem, por exemplo, um livro de contos de fadas e logo
percebe que os protagonistas são sempre loiros de olhos azuis incluindo príncipes
belos e convencidos e princesas burras de sorrisos falsos, que tinha menos
inteligência que um besouro: “E o livro trazia alguma aventura para quem tinha
olhos marrons e cabelo marrom? Não, não, não... só os loiros de olhos azuis e
ruivos de olhos verdes ficavam com as histórias. Quem tinha cabelo marrom era
provavelmente um criado, lenhador ou algo assim”.
Embora não seja rasgadamente humorístico, o
livro tem também alguns momentos de humor sutil, como quando a protagonista
conversa pela primeira vez com uma bruxa e esta lhe diz: “Estou vendo que nossa
amizade será semelhante a uma casa pegando fogo. Talvez não haja sobreviventes”.
Os pequenos Feegle são uma atração no livro,
com seu comportamento belicoso (muitas vezes, durante o livro, eles brigam
entre si só para treinarem para a briga verdadeira), e tradições estranhas. Os
pequeninos, por exemplo, acreditam que essa vida é um paraíso para o qual foram
depois de morrer, o que, sem dúvida, causa espanto em Tiffany.
- Mas há coisas ruins aqui! – diz a garota. Há
monstros!
- É. Demais, não? Tudo pronto, até coisas
para brigar!
Também vale destacar o bom manejo dos
elementos da trama. Tiffany, por exemplo, ganha da feiticeira Senhora Carrapato
um sapo que fala que não parece ter nenhuma importância na trama (na maioria
das vezes seu único conselho é sugerir que a heroína não estivesse ali). Lá
pelo final, revela-se que o sapo era um advogado, o que provoca um plot twist
na história.
Mas o ponto realmente importante, que faz
toda a diferença neste livro e o diferencia de outras histórias de fantasia, é
a relação de Tiffany com a Vovó Dolorida, que aparece ao longo da trama através
de flash backs. É da vovó que a menina herda o dom para a bruxaria. Para mim
foi um ponto importante de empatia, pois sempre tive uma relação muito forte
com minha avó – e ela tinha muitas semelhanças com a Vovó Dolorida, que usava
as palavras como se custassem dinheiro: “Vovó Dolorida poderia ter
dificuldades, algumas vezes, para se lembrar da diferença entre crianças e
ovelhas, mas em seu silêncio, você era bem recebido e se sentia em casa. Tudo que
precisava levar era seu próprio silêncio”.
Enfim, é um livro que tem tudo de melhor dos
livros de Terry Pratchett, acrescido de mais um aspecto: é uma obra
emocionante.
Em tempo: uma coisa que senti falta aqui foi de
uma ilustração de Josh Kirby na capa, ele que virou praticamente o ilustrador
oficial da série Discworld. A capa, feita por Marcos Sacchi e Wilson Castilho é
boa, mas parece faltar algo. Além disso, a capa dá grande destaque para a
Senhorita Carrapato, uma personagem que só aparece no início e no final e
praticamente não tem função na trama.
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