sexta-feira, janeiro 17, 2025

Os pequenos homens livres, de Terry Pratchett

 


Terry Pratchett é famoso pelos livros da série Discword, de humor escrachado e sátira das histórias de fantasia. Embora se passe no mundo de Discword, Os pequenos livres, lançado em 2010 pela Conrad, é um livro diferente, aproximando-se muito mais de uma jornada da heroína.

A trama é focada em Tiffany Dolorida, uma garota simples que trabalhava fazendo queijos, mas vê sua rotina ser transformada quando o irmão mais novo é roubado pela Rainha do Reino das Fadas. Ela precisará descobrir seu dom para bruxa, entrar no reino das fadas e salvar seu irmão. Para isso, ela conta com a ajuda dos Nac Mac Feegle, os pequenos homens livres, criaturinhas pequenas e azuis que adoram uma briga.

Apesar de ser uma história mais convencional, considerando-se os outros livros de Discworld, é possível perceber um caráter subversivo já nesse resumo. Aqui as bruxas são as heroínas e a Rainha das Fadas uma vilã. Pratchett, aliás, não poupa críticas aos contos de fadas e sua visão eurocêntrica. Tiffany tem, por exemplo, um livro de contos de fadas e logo percebe que os protagonistas são sempre loiros de olhos azuis incluindo príncipes belos e convencidos e princesas burras de sorrisos falsos, que tinha menos inteligência que um besouro: “E o livro trazia alguma aventura para quem tinha olhos marrons e cabelo marrom? Não, não, não... só os loiros de olhos azuis e ruivos de olhos verdes ficavam com as histórias. Quem tinha cabelo marrom era provavelmente um criado, lenhador ou algo assim”.

Embora não seja rasgadamente humorístico, o livro tem também alguns momentos de humor sutil, como quando a protagonista conversa pela primeira vez com uma bruxa e esta lhe diz: “Estou vendo que nossa amizade será semelhante a uma casa pegando fogo. Talvez não haja sobreviventes”.

Os pequenos Feegle são uma atração no livro, com seu comportamento belicoso (muitas vezes, durante o livro, eles brigam entre si só para treinarem para a briga verdadeira), e tradições estranhas. Os pequeninos, por exemplo, acreditam que essa vida é um paraíso para o qual foram depois de morrer, o que, sem dúvida, causa espanto em Tiffany.

- Mas há coisas ruins aqui! – diz a garota. Há monstros!

- É. Demais, não? Tudo pronto, até coisas para brigar!

Também vale destacar o bom manejo dos elementos da trama. Tiffany, por exemplo, ganha da feiticeira Senhora Carrapato um sapo que fala que não parece ter nenhuma importância na trama (na maioria das vezes seu único conselho é sugerir que a heroína não estivesse ali). Lá pelo final, revela-se que o sapo era um advogado, o que provoca um plot twist na história.

Mas o ponto realmente importante, que faz toda a diferença neste livro e o diferencia de outras histórias de fantasia, é a relação de Tiffany com a Vovó Dolorida, que aparece ao longo da trama através de flash backs. É da vovó que a menina herda o dom para a bruxaria. Para mim foi um ponto importante de empatia, pois sempre tive uma relação muito forte com minha avó – e ela tinha muitas semelhanças com a Vovó Dolorida, que usava as palavras como se custassem dinheiro: “Vovó Dolorida poderia ter dificuldades, algumas vezes, para se lembrar da diferença entre crianças e ovelhas, mas em seu silêncio, você era bem recebido e se sentia em casa. Tudo que precisava levar era seu próprio silêncio”.

Enfim, é um livro que tem tudo de melhor dos livros de Terry Pratchett, acrescido de mais um aspecto: é uma obra emocionante.  

Em tempo: uma coisa que senti falta aqui foi de uma ilustração de Josh Kirby na capa, ele que virou praticamente o ilustrador oficial da série Discworld. A capa, feita por Marcos Sacchi e Wilson Castilho é boa, mas parece faltar algo. Além disso, a capa dá grande destaque para a Senhorita Carrapato, uma personagem que só aparece no início e no final e praticamente não tem função na trama.

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