quinta-feira, maio 13, 2010

O mago

Paulo Coelho é um dos escritores mais lidos do mundo. Já vendeu mais de 100 milhões de livros. É o escritor vivo mais traduzido do planeta. Já foi homenageado por reis, rainhas, xeiques e presidentes, sendo tratado como popstar. No entanto, é linchado pela crítica literária brasileira. Uma figura tão contraditória acaba se tornando um personagem tão ou mais interessante que seus personagens. Assim, não é surpresa que Fernando Morais tenha tido a ideia de escrever sua biografia. 

Seguindo uma fórmula já consagrada por Fernando Morais, O mago (Planeta, 2008, 632 págs.) começa de maneira não cronológica: Paulo Coelho, já famoso, desce no aeroporto de Budapeste e não encontra ninguém. Nessas primeiras páginas o leitor já percebe que não se trata de uma biografia chapa-branca (feita para engrandecer o biografado). Enfezado, ele liga para um assistente e rosna: "Não há ninguém à minha espera em Budapeste! Sim! Foi isso mesmo que você ouviu". E repete cada palavra, lentamente, martelando-as na cabeça do interlocutor. Depois desliga sem se despedir. Então ouve um barulho e, ao se virar, abre um sorriso de felicidade: uma multidão de repórteres e fãs se aproxima. 

Algumas das facetas de Paulo Coelho já estão ali, nesse capítulo: a arrogância (que fez com que ele perdesse um emprego, na década de 1970) e o fascínio pelo sucesso, a ganância pelo dinheiro. 

Paulo Coelho é do tipo que faria qualquer coisa pela popularidade (até mesmo vender sua alma ao Diabo, como de fato fez, na década de 1970). Seu sonho, desde os mais tenros anos, era se tornar um escritor mundialmente famoso. Ainda adolescente ele fazia planos sobre como realizar seu sonho. Em seu diário, ele anotava providências, como descobrir quem eram os editores de cultura dos grandes jornais e mandar-lhes textos, comparecer a noites de autógrafo e estreias de teatro travando conhecimento com os autores famosos e tentando conseguir um padrinho. 


Apesar de todas as tentativas de fazer sucesso como escritor, Paulo Coelho só se tornaria famoso mesmo ao conhecer o músico Raul Seixas. Muitos dos detratores do escritor dizem que ele se aproveitou de Raul, mas, na verdade, o que parece ter acontecido foi uma simbiose poucas vezes vista na história da música brasileira. 

Na época, Paulo Coelho fazia parte de um grupo satanista e era editor da revista A pomba, que misturava misticismo com mulheres peladas. Era um hippie, que andava de sandálias e com cabelos desgrenhados, vivia com duas mulheres e transava todo tipo de droga. Raul Seixas era careta, andava bem penteado, barba feita, terno e gravata, pasta 007 e nunca experimentara nenhum tipo de droga e não tinha qualquer contato com sociedades místicas. Ou seja: um era o oposto do outro. 

Raul queria publicar um texto sobre discos voadores e pretendia convencer Paulo a escrever músicas para ele, pois já pensava em abandonar a vida de executivo para se tornar músico em tempo integral. Paulo só aceitou jantar na casa do futuro parceiro porque pretendia arrancar dele um anúncio da CBS para sua revista. Ao entrar no apartamento, Paulo percebeu que estava em um programa de índio: "É tudo caretinha, tudo bem-comportado", escreveu em seu diário. "Serviram umas cumbuquinhas com salgadinhos... há anos que eu não janto na casa de ninguém que tivesse cumbuquinhas com salgadinhos". Quando Raul pediu para ele ouvir algumas músicas, Paulo pensou: "Puta merda, ainda vamos ter que ouvir música?". Mas, no final, ele gostou muito do que ouviu. Acabaram virando parceiros e Paulo foi, aos poucos, mudando Raul: apresentou a ele as drogas, o satanismo, todo o pacote. Enquanto Raul ia virando o maluco beleza, Paulo ia encaretando: abandou o satanismo depois de um encontro com o diabo, largou a cocaína e depois a maconha. Como numa imagem de yin-yang, os dois eram opostos que se complementavam e, quando um mudou, o outro mudou também, voltando a se tornarem opostos. 

Entre os que não são leitores frequentes de Paulo Coelho, essa parte da parceria deve ser o ponto mais interessante do livro. Mas para quem chegou até ali, é impossível largar. Com incomparável maestria, Fernando Morais sequestra o leitor, que só larga o livro na última página. O grande interesse dali em diante é saber como, apesar de todas as dificuldades iniciais, Paulo se tornou um dos escritores mais populares do mundo.

A narrativa nesse ponto lembra o filme Ed Wood, de Tim Burton: uma fábula sobre alguém que acredita em um sonho e consegue realizá-lo indo contra todas as expectativas. 

Na busca pela fama, Paulo comete dois pecados capitais: o plágio e o uso de ghost writer. Ainda na década de 1960, em Aracaju, pedem a ele que escreva um artigo contra a ditadura para publicar num jornal local. Sem tempo ou inspiração, ele simplesmente chupa um texto de Carlos Heitor Cony. Quando, já na década de 1980, lança seu primeiro livro,Arquivos do Inferno, um dos capítulos era uma suposta piscografia do inquisidor espanhol Tomás Torquemada defendendo a tortura. Mas, na verdade, era um plágio do livro A verdade sobre a inquisição, de Henrique Hello.

O segundo livro de Paulo Coelho também revela uma situação grave. Como havia feito cursos sobre vampiros na Inglaterra (onde viveu uma relação a quatro com sua esposa, uma japonesa e o compositor Peninha), ele foi convidado a escrever um livro sobre o assunto para a editora Eco. Paulo aceitou dividir a autoria com o jornalista Nelson Liano Jr., que dera a ideia do livro, mas não conseguiu escrever seus capítulos. Recorreu, então, a um amigo, Toninho Buda, com a promessa de que o nome dele seria creditado. Toninho Buda não recebeu nada pelo trabalho e seu nome não apareceu em lugar nenhum da publicação. 

Finalmente, com a publicação de O Alquimista, veio o sucesso estrondoso e começou uma nova situação: a relação com a crítica. Enquanto lá fora Paulo Coelho recebe elogios até de Umberto Eco e tem textos ilustrados por Moebius, aqui ele é uma unanimidade ao contrário: absolutamente todos os críticos literários odeiam sua obra. Quando se pensou em adotar suas obras em escolas públicas, o Jornal do Brasilpublicou uma charge em que um estudante vê crescer orelhas de burro ao ler O diário de um mago. A Folha de São Paulo chegou a dizer que seus escritos não eram nem mesmo subliteratura. Quando foi entrevistado pelo programa do Jô, a produção se apropriou de um texto de Arthur da Távola, no qual o cronista encontrava vários erros de revisão em O diário de um mago. Uma atitude antiética que beirava o sensacionalismo puro (afinal, falar mal de Paulo Coelho dá ibope). 

Quando uma professora de literatura resolveu fazer uma tese sobre O Alquimista, foi hostilizada pelos colegas. A banca a acusou de ter escrito um trabalho simpático ao escritor (como se isso fosse crime): "Diziam que Paulo Coelho me pagara para escrever a tese, que eu era amante dele!". 

Um linchamento público tão unânime lembra mais preconceito do que opinião literária. Paulo Coelho parece estar sendo vítima do sucesso, que torna os intelectuais incapazes de avaliar sua obra. Isso já aconteceu com Monteiro Lobato, Roberto Carlos e Mauricio de Sousa. É possível que daqui a alguns anos seu trabalho seja redescoberto. Ou não. De certo, apenas uma coisa: a biografia do escritor é um livro delicioso e intrigante, com um personagem tridimensional, cheio de qualidades e defeitos, que viveu os anos loucos da geração hippie, foi torturado pela ditadura, internado em um asilo para loucos e sobreviveu para ser o escritor brasileiro mais lido do mundo e o mais odiado pela intelectualidade. Leitura obrigatória para quem gosta de boas biografias.


Texto originalmente publicado no Digestivo Cultural

3 comentários:

fernandes disse...

Bem, o fato dele ser reconhecido mundialmente não significa que tenha qualidade de um bom escritor. ALguém com boas jogadas de marketing consegue isso. E P.C. conseguiu.
E como tal, é sempre ficar esperto a tudo aquilo que sai da boca dele, pois como foi dito, ele é ambicioso, almeja o sucesso de qualquer maneira. Creio que ganância é um ponto forte dele.
Sobre a parceria de Raul com Paulo, concordo contigo. Um complementava o outro, e como o próprio Raul dizia: "Eu digo que tinha uma briga cultural com ele, para ver quem ganhava. Eu era o melhor amigo do inimigo, e vice-versa. Com o passar dos anos, houve um desgaste. Mas sempre foi uma boa parceria, com afinco, e saíram obras lindíssimas, como "Canto Para Minha Morte", "Ave Maria da Rua", "Meu Amigo Pedro", "Tente Outra Vez". Tenho muita vontade de gravar um LP só com essas músicas lindas, tipo aquelas que não tocam no rádio, o outro lado do disco."
Claro que com o passar da morte do seu "inimigo-íntimo", o P.C. viu uma brecha, uma oportunidade para que ele possa ganhar uns trocados com isso. Afinal, o cara tava morto mesmo.
Sobre esse encontro aí, onde Paulo foi recebido a salgadinhos e uísque, o cantor e também amigo do Raul, Leno Azevedo, conta uma versão diferente da coisa. Como pode ser vista aqui: http://tribunadonorte.com.br/noticia.php?id=83618

Abraços!

Por Felícia Bastos disse...

No livro As Valkírias, Paulo Coelho já dá prévia de como foi sua relação com Raul, sobre a composição da música "Sociedade alternativa" e sobre o tal encontro com o Underground. Já li vários títulos dele e estou pendente em Bruxa de Porto Belo, não consigo retomar a leitura. Aprecio Paulo Coelho.

JJ Marreiro disse...

ACho que é um livro interessante até pra quem não curte biografias. O PAulo Cielho pode ser controverso, mas faz as pessoas leram livros, escreve com clareza e convence o leitor comum, o homem do dia-a-dia, o trabalhador braçal, o epmresário ou a emoregada doméstica, a percorrer a trajetória inteira do livro. Talvez a literatura de Paulo Coelho não seja dirigida para os intelectuais que cultuam o pensamento crítico típico das esquerdas descontentes dos anos 70. Acho que o Paulo Coelho escreve livros pro Povão....E convenhamos nosso POVÃO não tem muita afinidade com as idas e vindas textuais de um MAchado de Assis ou de uma Clarice Lispector.

Falar mal de Paulo Coelho dá Status, o falante se coloca na posição de intelectual conhecedor profundo das letras e da academia e quer sempre impor à sociedade essa visão do conhecimento elitista...enquanto o homem comum quer apenas ler um livro que ele entenda.

GIan, seu maledeto:) hehehe Vou comprar esse livro do MOrais por tua culpa seu safadênho! Hahahah! Fiquei louco pra ler a biografia do Mago!!! HAhahaha!