O livro Mentes Inquietas, de Ana
Beatriz Silva (editora Gente) fala sobre uma doença chamada Distúrbio de
Déficit de Atenção – DDA. Poucas vezes eu me vi tão bem retratado em um obra e,
conversando com amigos, descobri que esse distúrbio é mais comum do que se
imagina.
A própria autora admite que o
termo não é adequado, já que dá a entender que a pessoa jamais consegue se
concentrar em algo. Na
verdade, um DDA consegue, às vezes, concentrar-se em algo (como ler um livro) de
tal forma que a casa pode cair que ele nem mesmo irá perceber. Na verdade, não
seria uma falta de atenção, mas uma atenção instável: muita concentração em
alguns momentos e nenhuma concentração em outros.
Para um DDA é um suplício
concentrar-se em uma atividade obrigatória. A autora compara a situação a um
carro desregulado, que gasta mais combustível e submete suas peças a um maior
desgaste. Muitos DDAs descrevem, que, após atividades obrigatórias, sofrem um
profundo cansaço mental e às vezes físico.
Um DDA em uma palestra cujo tema não lhe é
necessariamente interessante irá “viajar” em pensamentos próprios, desligando
do tema da palestra. Ou então ficará se mexendo na cadeira ou mexendo em
objetos, seu corpo refletindo sua vontade de sair dali correndo.
Os DDAs costumam ser impulsivos e
atirar primeiro e pensar depois. A impulsividade, o fazer sem pensar, é uma das
principais características desse distúrbio.
Um DDA está fazendo algo aqui e
pensando em algo que deveria estar fazendo ali na frente. Isso às vezes até na
leitura. Estou lendo aqui um livro de metodologia e estou pensando em um livro
de Relações Públicas que preciso ler ou em um texto que preciso escrever, ou em
um roteiro que me foi encomendado, ou em uma transparência que preciso
preparar. Meu método de trabalho é o mais desorganizado possível. Estou lendo
um livro, no meio dele encontro uma frase que me remete a algo que li em outro
livro. Largo aquele primeiro livro de lado e pego o outro. No outro encontro
outra frase que me remete a outra obra. Quando vejo, estou com cinco ou seis
livros abertos na minha frente.
Um DDA está sempre se envolvendo
em muitos projetos e nem sempre consegue terminá-los todos. Até porque, quando
as coisas começam a dar errado, ele entra em desespero. Isso
ocorre porque o cérebro tem dificuldade para acionar uma parte da memória
chamada de funcional, cuja função é encontrar na mente situações semelhantes
vividas no passado que possam ajudar no problema presente. Uma maneira de lidar
com isso é o que os publicitários chamam de "deixar o problema
dormir". Quando não consigo resolver um problema a ponto de entrar em
desespero, deixo de lado a situação e vou fazer outra coisa. Aprendi isso com o
monge Guilherme, do livro O Nome da Rosa. Quando a situação se tornava
insolúvel, ele ia tirar uma soneca. Sherlock Holmes tocava violino. Após algum
tempo a solução surge espontaneamente.
Uma vez uma ex-aluna se espantou
quando eu disse que estava lecionando metodologia científica: “Você não parece
um professor de metodologia científica”. Mas é justamente isso: você procura
conhecimentos que te ajudem a lidar com suas dificuldades. Trabalhar com
metodologia é uma forma de me organizar melhor, de colocar em ordens os
projetos... foi por essa mesma razão que comecei a me interessar pela teoria do
caos...
Ainda assim não é fácil. Ao lado
do meu computador, tenho um quadro de avisos. De um lado há o FAZER URGENTE,
onde coloco as tarefas urgentes. Do outro o FAZER onde coloco as tarefas que
necessitam ser feitas, mas não com urgência. Não fosse esse quadro, eu me
perderia no meio de tantos projetos e tantas necessidades. Isso funciona para
mim, pois, apesar da instabilidade de atenção, nunca perdi um prazo e
felizmente nunca precisei tomar remédios.
Um DDA típico era o meu amigo
Alan Noronha. Grande escritor, ele nunca conseguia terminar os trabalhos e
cumprir os prazos. Há algum tempo recebi um e-mail dele dizendo que ele admira
meu pragmatismo. Mal sabe ele que esse pragmatismo é conseguido às duras penas
e graças a uma luta diária contra a instabilidade de atenção....
Para a autora, alguém um DDA leve
não precisa necessariamente procurar tratamento médico, desde que isso não
atrapalhe suas atividades: “O adulto ‘levemente’ DDA por certo não deve ter
muitas reclamações a fazer. Ele é dotado de um alto nível de energia e
entusiasmo. Sua ligeira desorganização não é suficiente para atrapalhar o
andamento de seus projetos. No trabalho, pode-se dizer que, quando sob pressão
e desafio, esta pessoa consegue sair-se melhor ainda”.
Sem comentários:
Enviar um comentário