segunda-feira, junho 08, 2020

Eu, robô



Quando era adolescente e começou a ler as revistas pulp fiction, Isaac Asimov se incomodava com o fato dos robôs serem mostrados na história quase invariavelmente de forma negativa – em geral tentando destruir a humanidade. Para tentar mudar esse quadro, ele mesmo começou a escrever suas histórias e enviar para as revistas. O resultado disso foi uma sequência célebre de contos que mudaram completamente o tema e introduziram as três leis da robótica, segundo as quais: 1) um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano seja ferido; 2) um robô deve obedecer as ordens de um ser humano, a não ser que tais ordens entrem em conflito com a primeira lei; 3) um robô deve proteger a sua própria existência, a não ser que isso  entre em conflito com a primeira ou a segunda lei.
Esses contos foram reunidos na antologia Eu, robô, recentemente republicada no Brasil na belíssima edição da Aleph.
O primeiro conto, Robbie, escrito quando o autor tinha 19 anos, é mais uma demonstração de como Isaac Asimov queria trabalhar os robôs: uma menina ganha um robô como babá e se apega tanto a ele que a mãe, preocupada, faz com que o marido devolva a máquina. Mas a menina não irá descansar enquanto não tiver seu amigo de volta. É terno e bem escrito, com um final interessante. Mas não chega nem perto do que o escritor viria fazer com o tema, em especial com relação às três leis.
O segundo conto, “Andando em círculos” já é Asimov em plena forma. Nele, dois pesquisadores, os imortais Powell e Donovan, estão tentando reativar uma velha base em Mercúrio e para isso, mandam um robô, Speed, pegar um mineral essencial para a reativação dos sistemas e, portanto, para a sobrevivência deles no planeta banhado por fortes raios solares. Mas speed, ao invés de pegar o mineral, passa a andar em círculos aparentemente sem razão nenhuma. Os dois devem descobrir o que provocou isso e, principalmente, usar as três leis da robótica para fazer com que ele saia desse círculo vicioso e eles possam salvar a base. É uma típica história asimoviana em que a solução para o problema está totalmente na lógica.
Powell e Donovan voltam “Razão”, o terceiro conto da coletânea. Nesse, eles estão em uma estação espacial responsável por captar energia solar e enviar para a Terra. Mas um novo tipo de robô, racional, é implantado para organizar o trabalho dos outros. E o robô começa a pensar e a duvidar de tenha sido criado por humanos. Para ele, o gerador é o mestre, uma vez que tudo e todos na estação parecem girar ao redor dele e, aparentemente, servi-lo. Asimov brinca com o assunto e usa o conto para criticar o ponto de vista de Descartes segundo o qual a razão é mais importante que os sentidos quando se trata de estabelecer o que é realidade. O  robô chega até mesmo a citar Descartes direta (“Eu existo porque penso”) ou indiretamente (como quando o robô diz que não vai perder seu tempo analisando o que ele considera ilusão de ótica, pois o que é mostrado vai contra a razão). No final, o robô chega até mesmo a estabelecer uma religião (“Não há nenhum mestre senão o mestre e QT-1 é seu profeta!”). Embora as três leis não sejam usadas para resolver o problema, é um divertido e típico conto asimoviano.
Em “É preciso pegar o coelho” Powell e Donovan estão de volta, agora para decifrar um problema com um robô minerador que comanda seis outros robôs em um processo de mineração. Ocorre que, sempre que um dos dois não está olhando, o robô líder parece enlouquecer e coloca todos os outros para marcharem.
Em  “Mentiroso”, um robô tem capacidade de ler os pensamentos dos humanos. É a primeira história com a psicóloga de robôs Susan Calvin, que será figura fundamental nas histórias seguintes.
Em “Um robozinho sumido”, robôs usados pelo governo foram criados sem a primeira lei completa (um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, deixar que ele seja ferido) porque os robôs sempre corriam para salvar os humanos expostos a radiação gama e isso destruía seus cérebros, mesmo que essa radiação com pouca exposição não provocasse danos ao ser humano. Um dos cientista diz a um desses robôs que ele suma e ele de fato some... entrando num local com 62 outros robôs idênticos. Resta agora à psicóloga descobrir entre eles quem é o o robô sumido.
Em “Evasão” uma empresa concorrente propõe um desafio: repassar os dados de uma nave espacial que já destruíram o computador deles. O que fazer: aceitar e correr o risco de perder também o computador da US Robôs?
Em “Evidência”, um candidato concorrente acusa o candidato a prefeito de ser um robô, numa época em que robôs são proibidos na terra. Como provar que ele é humano? Como provar que é um robô? Esse conto tem uma ótima fala de Suzan Calvin segundo a qual, se um humano seguisse as três leis da robótica, seria alguém muito bondoso – e, portanto, um ótimo político.
Finalmente, em “O conflito evitável”, os computadores que governam a economia mundial parecem estar com algum tipo de pane e agindo de forma estranha, levando, por exemplo, fábricas à falência. É o conto mais fraco do volume, mas ainda assim vale a leitura.
Para costurar todas essas histórias, Asimov inventa um repórter que está entrevistando a psicóloga Susan Calvin. Os contos seriam os relatos dela sobre acontecimentos relacionados à história dos robôs.  
No final é interessante perceber como o mundo imaginado por Asimov é muito diferente do mundo real que vivemos. Nas histórias, por exemplo, os robôs pululam, mas existem pouquíssimos computadores – e nenhum pessoal.   

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