quinta-feira, outubro 29, 2020

A máquina do tempo, de H.G. Wells


H.G. Wells foi um dos maiores gênios da ficção científica. Ele antecipou alguns dos principais temas do gênero, entre eles a viagem no tempo.

Escrito em 1895, o livro de Wells pode não ter sido o primeiro sobre viagens no tempo, mas certamente foi o primeiro a mostrar isso sob ação de uma máquina, que poderia ser controlada por um ser humano.

O livro começa, aliás, como uma discussão científica. O protagonista (simplesmente chamado de Viajante do Tempo) explica que todo objeto é normalmente visto como existente na altura, largura e profundidade, as três dimensões. Mas ele também existe no tempo, a quarta dimensão. E levanta a hipótese de que, da mesma forma que é possível viajar no espaço, também seja possível viajar pela quarta dimensão. E mostra para sua plateia o protótipo de um mecanismo, que desaparece ao ser acionado.

Tempos depois, o narrador volta à casa do Viajante do Tempo, que aparece totalmente andrajoso e, após tomar um banho, se vestir com roupas novas e comer, finalmente conta sua história.

Ele teria viajado no tempo, até o ano de 802701, uma era em que a humanidade havia sido completamente transformada (inteligente, Wells situou sua história muitos séculos além de sua época).

A engenhosa descrição da própria viagem em si já vale o volume: “A imagem ofuscada do laboratório pareceu sumir, e vi o sol saltando com rapidez pelo céu, pulando a cada minuto e cada minuto marcava um dia (...) A lesma mais lenta que já se arrastou corria muito rápido para mim”.

Mas o que é narrado após a chegada ao ano de 802701 é uma história empolgante que envolve mistério, ação, suspense, entremeados com várias reflexões filosóficas.

O que o viajante encontra no futuro são pessoas pequenas e bonitas, mas frágeis, os eloi, que vivem vidas despreocupadas, de puro prazer, comendo apenas frutas e aparentemente incapazes de manusear qualquer mecanismo. Além disso, são indivíduos preguiçosos, que cansam muito rápido. Quando uma das mulheres se afoga no rio, ninguém faz o menor esforço de tentar salvá-la e cabe ao viajante do tempo essa incumbência – o que gera um bizarro interesse romântico, já que Weena é mostrada praticamente como uma criança em sua alegria despreocupada.

Mas, se o mundo da superfície é povoado pelos belos e frágeis eloi, no subterrâneo viem os Morlock, uma raça de seres repugnantes de pele branca.

A explicação dada por Wells ecoa uma forte crítica social: à certa altura a classe dominante se estabelecera na superfície, relegante as galerias subterrâneas para a classe trabalhadora, que produzia tudo o necessário para a burguesia em diversas máquinas. Mas a evolução fez com que os operários se tornassem seres totalmente noturnos e, numa curiosa inversão, passassem a se alimentar dois eloi, mostrados como gado que vive alegremente e engorda para finalmente ser devorado.

Wells reflete que esse modelo de sociedade tirou das classes dominantes qualquer traço de inteligência, pois a inteligência e a inventividade são originárias da necessidade. Séculos de uma vida de puro prazer fez com que os seres da superfície perdessem até mesmo a capacidade de ler.

A máquina do tempo mistura essa crítica social e reflexão filosófica com uma trama muito bem elaborada e repleta de ação e suspense – uma vez que a máquina do tempo é roubada, ameaçando deixar o viajante preso para sempre no futuro. É um verdadeiro triller, que deixa o leitor primeiro curioso para entender o que está acontecendo e depois tentando imaginar como o Viajante conseguirá se salvar.

Um clássico absoluto em pouco mais de 100 páginas.   

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