segunda-feira, novembro 29, 2021

Sherlock Time, de Oesterheld e Breccia

 


Héctor Oesterheld é um dos maiores roteiristas de todos os tempos. Alberto Breccia é um dos mais revolucionários desenhista que já pisaram em uma editora de quadrinhos. Qualquer colaboração entre esses dois mestres só poderia ser uma obra-prima. E, desde a primeira HQ, Sherlock Time, essa dupla se mostrou genial.
O personagem foi criado em 1958 para a revista Hora Cero, editada por Oesterheld.
Como o próprio nome sugere, Sherlock Time é um detetive temporal (ou do espaço-tempos, pois ambos são indissociáveis, como explica o herói).
Oesterheld usa um expediente que seria repetido em várias outras obras: a de um mundo fantástico ou de aventuras sendo contado pela ótica de um homem comum. Na história, um homem chamado Julio Luna compra uma mansão por uma pechincha apenas para descobrir que o local parece assombrado. Um vizinho lhe conta que todos os outros moradores desapareceram misteriosamente e é possível que esteja enterrados no quintal ou na própria casa.
Ao adentrar em sua nova propriedade, Luna vê sangue pingando no chão. Isso é o início de uma longa sequência em que Oesterheld faz o seu melhor: esticar o suspense até o seu máximo. A isso junta-se a habilidade Breccia para não só retratar imagens, mas dar significado a elas. As árvores do quintal, por exemplo, parecem fantasmas ameaçadores. As sombras, opressivas, parecem fechar-se sobre o personagem. As gotas de sangue caindo marcam o ritmo de suspense e mostram o quanto Breccia era inovador: sua primeira representação é de fato uma gota de nanquim sobre a página.
Este é, provavelmente, o trabalho com maior influência de Jorge Luís Borges. Oesterheld era fã de Borges. Mas podemos perceber outros elementos aí, em especial Edgar Alan Poe e Conan Doyle. Assim, a história é estruturada sempre através de contos nos quais aparece inicialmente uma situação fantástica, seja um ídolo que é amado e odiado por seu comprador a um tesouro escondido nos jardins, que se revela uma armadilha. Finalmente, termina com Sherlock Time explicando o acontecimento para Luna. A dupla consegue levar essa estrutura a níveis altíssimos, fazendo um trabalho que nitidamente era focado no leitor adulto – muito antes de existirem as graphic novels.
Há também contos soltos, como o do homem que cai em um planeta desconhecido e acaba descobrindo que está em uma rina extraterrestre.
A edição da Colihue, em formato de álbum, é bem melhor que a diminuta publicação do Clarin, cujo formato comprometia tanto o texto de Oesterheld quanto a arte de Breccia. Mas peca em um detalhe essencial: a impressão foi feita a partir das edições do Hora Cero e não dos originais – e não foi feito nenhum tratamento nas letras. O resultado é que em alguns pontos as falhas de impressão tornam quase impossível ler o que está escrito.

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