quinta-feira, maio 25, 2023

Mãe d´água

 

A mitologia brasileira é uma mistura de tradições índias, negras e europeias. Nenhuma figura mitológica encarna isso tão bem quanto a Iara, a mãe d´água.
Segundo Câmara Cascudo, os índios tinham em suas lendas um ser aquático, o Ipupiara, uma espécie de homem peixe, feroz, bestial, que saía da água para capturar suas presas e matá-las. Na religião indígena também havia a percepção de que tudo na natureza tem uma mãe. Portanto, existia a mãe do rio, sempre presente nos olhos d´água. Também era comum chamar a cobra grande de mãe d´água.
Os africanos tinham vários seres aquáticos: Iemanjá, Anambucuru, Oxum. E tinham um ser parecido com o Ipupiara, os nebéli, um espírito do rio, que, enfurecido, provocava tempestades, virando as pirogas e afogando quem estivesse dentro.
Já os europeus tinham as sereias, que seduziam os navegantes e muitas vezes se casavam com eles, dando-lhes riquezas e filhos e exigindo em troca respeito aos habitantes da água (nas lendas, o marido sempre descumpre essa promessa e acaba sem a esposa e as riquezas).
A mistura de todas essas tradições nos deu a Iara, a mãe d´água, um ser que, ao contrário dos Ipupiara e dos nebéli, é formoso. Trata-se de uma linda mulher, que seduz os os viajantes que passam por olhos d´água.
Olavo Bilac tornou célebre a lenda em um dos seus poemas:

Vive dentro de mim, como num rio,
Uma linda mulher, esquiva e rara,
Num borbulhar de argênteos flocos, Iara
De cabeleira de ouro e corpo frio.

Entre as ninfeias a namoro e espio:
E ela, do espelho móbil da onda clara,
Com os verdes olhos úmidos me encara,
E oferece-me o seio alvo e macio.

Precipito-me, no ímpeto de esposo,
Na desesperação da glória suma,
Para a estreitar, louco de orgulho e gozo...

Mas nos meus braços a ilusão se esfuma:
E a mãe-d'água, exalando um ai piedoso,
Desfaz-se em mortas pérolas de espuma.

A mãe d´água aparece no meu romance Cabanagem ilustrada pelo grande quadrinista paraense Otoniel Oliveira. A imagem mostra a personagem encontrando com o protagonista, Chico Patuá e se destaca pela representação aquática da personagem, com seu cabelo e sua roupa se confundindo com a água do rio.

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