A ideia para o Aspas Norte surgiu quando ouvi, de uma estudante que tinha feito o TCC sobre quadrinhos, que o sonho dela era apresentar nos eventos nacionais do Aspas.
Amapá é o estado mais isolado
da federação. Não existe ligação com outros locais por via terrestre. As únicas
maneiras de sair do estado são de navio (em uma viagem para Belém que dura 24
horas), ou de avião, com passagens caríssimas.
O isolamento físico se
reflete em um isolamento intelectual. Enquanto estudantes do sudeste conseguem
ir em qualquer congresso ou evento de quadrinhos para apresentar seu trabalho,
conversar com outras pessoas do meio ou ver as novidades em termos de
lançamentos pegando um ônibus barato e com poucas horas de viagem, a maioria esmagadores
dos estudantes do Amapá nunca saiu do estado.
Soma-se a isso a situação local,
com uma universidade com pouquíssimos recursos. Além disso, sofremos de um
problema crônico: professores da região sudeste fazem concurso para a Unifap e
depois entram na justiça pedindo remoção, levando a vaga para alguma universidade
da região sudeste. O resultado é uma sobrecarga de trabalho entre os professores
que ficam, uma vez que o trabalho que antes era realizado por aquele professor
que foi embora levando a vaga agora precisa ser distribuído entre os outros.
Mesmo com essa sobrecarga de
trabalho, eu e Rafael Senra continuamos a realizar o Aspas Norte, tirando
dinheiro do próprio bolso, justamente para permitir que estudantes que vivem em
um estado tão isolado possam apresentar suas pesquisas sobre quadrinhos e
cultura pop.
Durante a pandemia,
realizamos o evento online e nos espantamos ao descobrir que o número de
estudantes do Amapá que se inscreveu foi muito baixo. Logo ficou clara a razão:
muitos moram em locais que sequer pega internet, o que reflete os problemas
estruturais do estado. Aliás, muitos não têm dinheiro sequer para pagar a taxa
de inscrição, de modo que nós os trazemos para a comissão organizadora, que é
isenta da taxa, como forma de garantir a participação desses estudantes
carentes no evento.
Com todo esse esforço e
todas essas dificuldades, nós continuamos a realizar o evento e depois
publicamos os trabalhos apresentados na forma de ebook.
Assim, foi com um espanto
enorme que soube de uma professora de uma universidade da região sudeste que
criticou o último livro lançado pelo Aspas Norte com artigos dos estudantes da
Unifap com o argumento de que se as obras analisadas não eram recentes.
Uma professora privilegiada, que vive no
centro econômico e intelectual do Brasil, que pode ir nos eventos do Aspas, nas
Jornadas da USP, na FIQ, na Bienal de Quadrinhos conferir o que há de mais
recente em termos de lançamento. E pode fazer isso pegando apenas um ônibus de
poucas horas. Uma professora que trabalha em uma universidade com grande
números de professores e com estrutura infinitamente melhor que a nossa. Essa
professora privilegiada criticando o livro lançado pelo Aspas Norte com
estudantes do Amapá por eles terem analisados obras mais antigas, que na
verdade são as que constam na biblioteca da Unifap.
A tal professora poderia vir pessoalmente apresentar suas pesquisas no Aspas Norte e assim conferir a nossa realidade. Poderia também trazer na bagagem todas as obras que acha que os estudantes da Unifap devem analisar e doá-las à biblioteca da instituição.
Em tempo: para quem quiser se inscrever no Aspas Norte, basta clicar aqui. As inscrições de pesquisadores são a única fonte de renda do evento, uma vez que os estudantes do estado são na maioria isentos da taxa.
Sem comentários:
Enviar um comentário