domingo, outubro 01, 2023

A professora do sudeste e sua crítica ao Aspas Norte


A ideia para o Aspas Norte surgiu quando ouvi, de uma estudante que tinha feito o TCC sobre quadrinhos, que o sonho dela era apresentar nos eventos nacionais do Aspas.

Amapá é o estado mais isolado da federação. Não existe ligação com outros locais por via terrestre. As únicas maneiras de sair do estado são de navio (em uma viagem para Belém que dura 24 horas), ou de avião, com passagens caríssimas.

O isolamento físico se reflete em um isolamento intelectual. Enquanto estudantes do sudeste conseguem ir em qualquer congresso ou evento de quadrinhos para apresentar seu trabalho, conversar com outras pessoas do meio ou ver as novidades em termos de lançamentos pegando um ônibus barato e com poucas horas de viagem, a maioria esmagadores dos estudantes do Amapá nunca saiu do estado.

Soma-se a isso a situação local, com uma universidade com pouquíssimos recursos. Além disso, sofremos de um problema crônico: professores da região sudeste fazem concurso para a Unifap e depois entram na justiça pedindo remoção, levando a vaga para alguma universidade da região sudeste. O resultado é uma sobrecarga de trabalho entre os professores que ficam, uma vez que o trabalho que antes era realizado por aquele professor que foi embora levando a vaga agora precisa ser distribuído entre os outros.

Mesmo com essa sobrecarga de trabalho, eu e Rafael Senra continuamos a realizar o Aspas Norte, tirando dinheiro do próprio bolso, justamente para permitir que estudantes que vivem em um estado tão isolado possam apresentar suas pesquisas sobre quadrinhos e cultura pop.

Durante a pandemia, realizamos o evento online e nos espantamos ao descobrir que o número de estudantes do Amapá que se inscreveu foi muito baixo. Logo ficou clara a razão: muitos moram em locais que sequer pega internet, o que reflete os problemas estruturais do estado. Aliás, muitos não têm dinheiro sequer para pagar a taxa de inscrição, de modo que nós os trazemos para a comissão organizadora, que é isenta da taxa, como forma de garantir a participação desses estudantes carentes no evento.

Com todo esse esforço e todas essas dificuldades, nós continuamos a realizar o evento e depois publicamos os trabalhos apresentados na forma de ebook.

Assim, foi com um espanto enorme que soube de uma professora de uma universidade da região sudeste que criticou o último livro lançado pelo Aspas Norte com artigos dos estudantes da Unifap com o argumento de que se as obras analisadas não eram recentes.

Uma professora privilegiada, que vive no centro econômico e intelectual do Brasil, que pode ir nos eventos do Aspas, nas Jornadas da USP, na FIQ, na Bienal de Quadrinhos conferir o que há de mais recente em termos de lançamento. E pode fazer isso pegando apenas um ônibus de poucas horas. Uma professora que trabalha em uma universidade com grande números de professores e com estrutura infinitamente melhor que a nossa. Essa professora privilegiada criticando o livro lançado pelo Aspas Norte com estudantes do Amapá por eles terem analisados obras mais antigas, que na verdade são as que constam na biblioteca da Unifap.

A tal professora poderia vir pessoalmente apresentar suas pesquisas no Aspas Norte e assim conferir a nossa realidade. Poderia também trazer na bagagem todas as obras que acha que os estudantes da Unifap devem analisar e doá-las à biblioteca da instituição. 

Em tempo: para quem quiser se inscrever no Aspas Norte, basta clicar aqui. As inscrições de pesquisadores são a única fonte de renda do evento, uma vez que os estudantes do estado são na maioria isentos da taxa. 

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