Se há uma música que representa com perfeição a situação da região norte é “Belém, Pará, Brasil”, do grupo paraense Mosaico de Ravena.
Misturando rock e carimbó e Lançada no início
da década de 1990, essa música se tornou um fenômeno local. Tocava o tempo todo
nas rádios no Pará. Na época, eu participava da diretoria de um centro comunitário
(na Cidade Nova) e realizávamos, todo domingo, um concurso com cantores. O
fechamento do evento era sempre a música do Mosaico de Ravena e, quando
começava a tocar a parte final, que puxava para o carimbo, a galeria
simplesmente ia à loucura: começava todo mundo a dançar no salão.
Além do ritmo, o segredo do sucesso da música
estava diretamente ligado ao sentimento geral de isolamento e invisibilidade (curiosamente,
esse mesmo sentimento parecia predominante no outro extremo do Brasil,
representado pela música dos Engenheiros Longe demais das capitais).
A primeira estrofe já tocada em assuntos com
a exploração da região, os projetos criados pelo governo central que
teoricamente deveriam trazer progresso, mas que só agravaram a situação:
Região Norte
Ferida aberta pelo progresso
Sugada pelos sulistas
E amputada pela consciência nacional
A segunda estrofe se refere ao apagamento da
cultura regional, algo que já vem de longe e que na época era muito evidente. Felizmente,
muito dessa mentalidade mudou. Hoje o Palacete Pinho e o Ver-o-peso tornaram-se
pontos turísticos.
Vão destruir o Ver-o-Peso
Pra construir um shopping center
Vão derrubar o Palacete Pinho
Pra fazer um condomínio
Coitada da Cidade Velha
Que foi vendida pra Hollywood
Pra ser usada como albergue
No novo filme do Spielberg
As estrofes seguintes referem-se à imagem
equivocada e distorcida que se tinha sobre a região, algo que senti na pele
quando minha família se mudou para Belém, lá no início da década de 1980. As
pessoas, quando sabiam que eu iria me mudar para Belém, perguntavam se eu não
tinha medo de índios ou jacarés. Sério. A letra, irônica, brinca com isso.
Quem quiser venha ver
Mas só um de cada vez
Não queremos nossos jacarés
Tropeçando em vocês
A culpa é da mentalidade
Criada sobre a região
Por que que tanta gente teme?
Norte não é com M
Nossos índios não comem ninguém
Agora é só hambúrguer
Por que ninguém nos leva a sério?
Só o nosso minério
Na verdade, o processo de apagento cultural
era tão forte que mesmo as pessoas da região na grande maioria das vezes não
valorizavam o que era local, visto por elas como atrasado ou inferior. Daí o “aqui
a gente toma guaraná quando não tem Coca-cola”. Ou seja: era um problema que só
começaria a se resolvido quando os próprios amazônida tomassem consciência da
importância de sua cultura. E, de fato, a ideia de que a região norte não tem
cultura ou tem uma cultura atrasada é mais do que equivocada, algo que
percebemos, por exemplo, na área da fantasia. Enquanto muita gente paga pau
para o folclore inglês que deu origem a livros como O senhor dos anéis, na Amazônia
há um folclore igualmente rico muitas vezes ignorado justamente por quem faz
literatura de fantasia.
Aqui a gente toma guaraná
Quando não tem Coca-Cola
Chega das coisas da terra
Que o que é bom vem lá de fora
Transformados até a alma
Sem cultura e opinião
O nortista só queria fazer
Parte da nação
Ah! Chega de malfeituras
Ah! Chega de triste rima
Devolvam a nossa cultura
Queremos o Norte lá em cima!
Por quê? Onde já se viu?
Isso é Belém!
Isso é Pará!
Isso é Brasil!
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